Humor stand-up é uma coisa fascinante. Sem nenhum artifício, uma pessoa precisa subir num palco e encarar um público de centenas com expectativas altíssimas. “Faça-me rir, e faça agora!”
Todo o material escrito, testado e ensaiado pelo comediante durante semanas ou meses inteiros precisa funcionar naturalmente naquele espaço de alguns minutos, no máximo uma hora, e ainda precisa ser entregue com precisão e graça.
Entrega: No stand-up, chama-se de “entrega” (ou “delivery”, em inglês) tudo que diz respeito não ao texto, mas à forma como o comediante fala. Entonação, pausa, expressão corporal, timing e naturalidade, entre outras habilidades.A entrega é de fato o coração da arte do stand-up. Um comediante pode ter o melhor texto do mundo, mas se não tiver uma ótima entrega, será apenas um cara sem graça – tanto é que há comediantes que focam só na entrega e usam material escrito por terceiros.
Não faz tanto tempo assim que esse tipo de humor se popularizou no Brasil, mas no exterior o stand-up é uma carreira séria há várias décadas, e berço artístico de vários atores conhecidos. Os melhores comediantes de gerações passadas, aqueles que elevaram a arte e a técnica a níveis inéditos, servem de exemplo e guia para os que empunham os microfones de hoje, para que consigam ir ainda mais longe e mais fundo no humor.
A lista a seguir surgiu de uma conversa com o sábio Eduardo Pinheiro, um dos maiores entendidos de stand-up comedy com quem já conversei (e autor deste texto sobre humor no Portal Homem). Como um bom stand-up é algo para ser apreciado, e não consumido com pressa, limitei a lista a seis nomes – três modernos, que se apresentam hoje em dia, e três monstros do passado.
Começando agora, o melhor do stand-up.
Parte 1 – Mestres do presente
# Louis C.K.
Ele está na boca do povo. É o comediante mais prolífico do mundo atual. Além do seu show de stand-up, que é composto por material totalmente novo a cada nova turnê (muitos comediantes mantém as melhores piadas de uma temporada para outra, escrevendo material novo somente para substituir os trechos menos bem-sucedidos), ele ainda escreve, dirige, atua, produz e edita o próprio seriado de TV, o genial Louie.
C.K. é característico em sua obsessão por colocar a mão em todos os aspectos do próprio trabalho. Ele sacudiu o mercado ao quebrar o costume de lançar nas lojas um DVD com o seu show anual – em vez disso, resolveu filmar de forma independente, editar em casa e vender sozinho diretamente para os fãs, sem intermediários, por apenas 5 dólares.
Muitos comediantes famosos assumem a linha politicamente incorreto, indo até o limite do aceitável ou confortável. Louis C.K. é único porque consegue, sabe-se lá como, ultrapassar esses limites e sair ileso. Quando você percebe que ele foi longe demais, ele já voltou, e você já riu. Mestre.
# Ricky Gervais
Com um humor britânico adaptado para ficar mais palatável à sociedade americana, Gervais na verdade ficou famoso fora dos palcos de stand-up. Em parceria com o também ótimo e também britânico Stephen Merchant, ele escreveu, dirigiu e estrelou a versão original da série The Office, que depois foi trazida aos EUA com Steve Carrell no papel principal.
Teve o podcast mais baixado do mundo em 2009, e só depois começou a se arriscar no stand-up, produzindo coisas geniais como o vídeo acima e a participação em Grand Theft Auto IV, onde teve seus movimentos capturados e seu espetáculo gravado para que o jogador possa assistir dentro da cidade fictícia onde se passa o jogo.
Depois, tornou-se o primeiro ator não-americano a apresentar o Globo de Ouro, chocando boa parte de público ao fazer piadas extremamente desconfortáveis (mas engraçadas) com os indicados ao prêmio – por exemplo: na cerimônia de 2011, tirou barato de Steve Carrell por só ter estourado graças a The Office, provocou Robert Downey Jr por sua passagem pela cadeia e azucrinou Johnny Depp pelo fracasso do seu último filme na época, The Tourist.
# Sarah Silverman
Não é incomum comediantes usarem temas polêmicos como racismo e religião em seu material, mas de modo geral não se vê alguém mesclar isso com ironia tão bem quanto a senhorita Silverman. Em vez de criticar esses temas a uma certa distância, ela se veste de um personagem irônico que critica por dentro, tirando sarro de si mesmo.
Sarah começou bem cedo no stand-up, com apenas 17 anos, e eventualmente acabou sendo contratada pelo Saturday Night Live, o mais lendário programa humorístico da TV americana. No entanto, nenhum quadro escrito por ela acabou indo ao ar, tão forte era sua personalidade humorística, e ela foi afastada do programa após uma temporada – o que rendeu material para o seu stand-up, claro.
A moça também teve o seu próprio seriado, o The Sarah Silverman Program.
Parte 2 – Mestres do passado
# George Carlin
Talvez George Carlin seja mais popular hoje do que jamais tenha sido em vida. Quando se fala em stand-up americano, geralmente é um dos primeiros nomes citados como o supra-sumo do que há e jamais houve. Não sem razão.
Falecido em 2008, Carlin se apresentava desde os anos 60. Seu ato mais famoso é o chamado “As sete palavras que nunca podem ser ditas na televisão“, pelo qual ele chegou a ser preso em 1972, sob acusação de comportamento obsceno.
No entanto, ele também é muito conhecido por seu material anti-religião, suas observações únicas de fatos corriqueiros e por ir além das piadas: sem nunca deixar de ser hilário, fazia crítica social real, cortante e pertinente.
# Richard Pryor
Jerry Seinfeld (que, aliás, só não consta nessa lista porque é unanimidade) certa vez chamou Richard Pryor de “o Picasso da nossa profissão”. Longe de discordar dele, a lista dos 100 melhores comediantes de todos os tempos do canal Comedy Central elegeu Pryor como o número 1.
A mesma lista, aliás, cita George Carlin em segundo lugar.
O vídeo acima foi um dos dois únicos que eu consegui encontrar com legendas em português, e, apesar do tema, chega a ser até meio inocente. Como quase todos os comediantes que conseguiram um lugar na história, porém, Pryor frequentemente falava de temas pesados, incluindo racismo. Ele também usava linguajar bastante obsceno e gráfico em tempos em que isso não era muito comum.
# Bill Hicks
Certa vez, Bill Hicks começou a falar sobre publicitários e pessoas de marketing. Chamou sanguessugas, parasitas, “pequenos ajudantes de satã” que deveriam simplesmente morrer e ir para o inferno em vez de continuar fazendo que fazem. Dizia cada frase e sorria um sorriso meio divertido, meio sádico. “Vocês devem estar pensando ‘ha ha, lá vem a piada’. Mas ela não vem. Isso não é piada, é sério. Matem-se.”
Esse é Bill Hicks.
Em 1993, gravou uma participação para o talk show do apresentador David Letterman que marcou o primeiro caso de censura completa de um número de stand-up na televisão. Nenhum trecho foi ar. O comediante não mais apareceu no programa até a sua morte, no ano seguinte. Em 2009, Letterman convidou a mãe de Bill Hicks para o programa, pediu desculpas, assumiu completa responsabilidade e passou o segmento originalmente censurado – que continuava genial e engraçado em 2009, assim como continua hoje.
Frequentemente chegando a ser mais filosófico do que apenas engraçado, Bill Hicks é para mim um dos grandes. Talvez o maior.
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